Riscos Contábeis e Jurídicos na Dependência de Infraestruturas Tecnológicas
A crescente digitalização dos negócios exige uma análise mais criteriosa dos riscos inerentes à dependência de infraestruturas tecnológicas externas, especialmente para empreendedores e advogados atuantes em áreas empresariais. Muito além da praticidade e escalabilidade proporcionada por essas soluções, seu uso possui implicações contábeis, fiscais e jurídicas que não podem ser desconsideradas.
Neste artigo, exploramos os principais pontos de atenção quanto à continuidade operacional, obrigações legais e impactos em demonstrações contábeis decorrentes de falhas em sistemas terceirizados. O objetivo é munir tanto empreendedores quanto profissionais do Direito Empresarial e Tributário de informações estratégicas para tomada de decisão, análise de riscos e estruturação contratual.
Os Impactos Contábeis da Interrupção Operacional Tecnológica
A interrupção de atividades essenciais por fatores externos pode comprometer o resultado financeiro e patrimonial de uma empresa. Quando ocorre uma paralisação em sistemas utilizados para registros contábeis, emissão de notas fiscais, faturamento ou controle de estoque, surgem consequências diretas nas demonstrações financeiras.
Do ponto de vista contábil, o item 21 da Resolução do CFC nº 1.374/2011, que aprovou a NBC TG 30 (Receita de Atividades Ordinárias), exige que a receita seja reconhecida quando é provável que benefícios econômicos futuros fluirão para a entidade e esses benefícios possam ser mensurados com confiabilidade. Um sistema fora do ar pode impedir que tais condições sejam preenchidas, gerando atrasos e incertezas contábeis.
Além disso, o item 25 da NBC TG 24 trata dos eventos subsequentes à data do balanço. Se uma falha sistêmica ocorrer após o encerramento do exercício social, mas antes da divulgação das demonstrações contábeis, haverá a obrigação de divulgação dos efeitos dessa ocorrência, caso seja relevante. Isso implica reavaliação de provisões e estimativas contábeis, especialmente ligadas à perda de receita, quebra contratual ou indenizações a clientes.
Consequências Jurídicas e Obrigações Legais Relacionadas à Continuidade de Negócios
Sob a ótica do Direito Empresarial e Contratual, é imprescindível tratar juridicamente a continuidade operacional dos serviços essenciais. O artigo 421-A do Código Civil, inserido pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), fortalece a autonomia da vontade das partes em definir cláusulas contratuais, inclusive mecanismos para lidar com descontinuidade tecnológica.
Contudo, isso não exime o dever de diligência e boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil). Se a empresa contratante de um serviço tecnológico essencial não adotar mecanismos de contingência e suprimir cláusulas que estabeleçam responsabilidades claras em caso de falha, poderá ser considerada negligente à luz da teoria do risco empresarial.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) pode ser aplicado nos contratos empresariais quando há desequilíbrio contratual ou falhas na prestação de serviços. O artigo 14 impõe responsabilidade objetiva ao fornecedor por defeitos na prestação do serviço, inclusive decorrentes de falhas técnicas.
Empresas impactadas por quedas de sistemas sem suporte contratual e backup adequado enfrentam desafios jurídicos na reparação de danos ou na continuidade das obrigações com terceiros.
Cláusulas Contratuais Essenciais em Soluções Tecnológicas
Do ponto de vista jurídico, a elaboração de contratos com empresas provedoras de tecnologia exige atenção minuciosa a cláusulas como:
1. Níveis de Serviço (SLAs)
Deve-se definir o tempo aceitável para interrupções e penalidades por descumprimento dos níveis pactuados. Essas cláusulas são fundamentais para a mensuração de riscos e estabelecimento de direitos à compensação.
2. Responsabilidade Objetiva
É recomendável detalhar as hipóteses de responsabilidade objetiva, especialmente se o serviço prestado afeta obrigações legais como cumprimento de obrigações fiscais, trabalhistas e fornecimento de dados à Receita Federal.
3. Obrigações de Backup e Continuidade
Cláusulas de obrigatoriedade de backup, redundância de servidores e testes periódicos de recuperação de desastres resguardam o interesse do contratante.
4. Multas e Indenizações
É prudente explicitar valores de penalidades por falhas, além das indenizações mínimas em situações como perda de receita, dano à reputação ou descumprimento de obrigações regulatórias.
Reflexos nas Obrigações Tributárias e Fiscais
Falhas sistêmicas podem atrapalhar a escrituração fiscal e o envio de obrigações acessórias. Isso inclui a impossibilidade de emitir notas fiscais eletrônicas (NF-e), Escriturações Contábeis Fiscais (ECF), Escriturações Contábeis Digitais (ECD) e EFD-Contribuições.
Os arts. 113 e 114 do Código Tributário Nacional estabelecem que a obrigação acessória é aquela cujo descumprimento faz surgir a multa, mesmo sem lançamento de tributo. Assim, se a falha tecnológica impedir o cumprimento de declarações dentro do prazo legal, a empresa poderá ser multada, ainda que não haja prejuízo fiscal direto.
Nesses casos, as instruções normativas da Receita Federal podem indicar procedimentos administrativos para comprovação de força maior, visando reduzir ou eliminar penalidades. Entretanto, a depender da gravidade do evento, a comprovação da falha pode não ser suficiente, exigindo o ajuizamento de ação judicial para evitar autuações indevidas.
É fundamental manter um plano alternativo que permita evidenciar a tentativa de mitigação dos impactos — seja por meio do acionamento de DRPs, sistemas locais emergenciais ou, ao menos, registros analíticos das operações comerciais.
Riscos para a Governança Corporativa e Conformidade
A gestão de compliance e controles internos deve incluir, necessariamente, critérios relacionados à segurança e disponibilidade de sistemas críticos. A ausência de respostas governadas à falha de infraestrutura impacta os pilares básicos da governança: responsabilidade, equidade, prestação de contas e transparência.
Empresas que operam sob fiscalizações da CVM ou de órgãos reguladores específicos, como Susep e Bacen, inclusive, devem seguir exigências mínimas de gestão de riscos e continuidade de negócios previstas em normativos próprios.
A Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) e a Instrução CVM nº 586/2017 reforçam a necessidade de políticas de gestão de riscos tecnológicos. O não atendimento dessas exigências pode gerar responsabilizações para administradores, inclusive com responsabilização pessoal.
Tomada de Decisão Estratégica: Análise de Custo x Risco
O empresariado precisa abandonar a ideia de que a contratação de soluções tecnológicas é isenta de responsabilidade. O risco de perdas financeiras e litígios contratuais torna essencial uma análise criteriosa de custo-benefício, contemplando seguros cibernéticos, atendimento jurídico em contratos eletrônicos e soluções de contingência técnica.
A contabilidade gerencial tem papel decisivo na precificação desses riscos. O custo de uma parada operacional precisa constar nos relatórios internos com simulações de impacto em margens, prazos médios de compensação e provisões identificadas como perdas possíveis.
Da mesma forma, as assessorias jurídicas devem participar desde o início da contratação de soluções críticas ao negócio, a fim de alinhar segurança, compliance e clareza na responsabilização, respeitando a melhor hermenêutica do Código Civil e os princípios da função social da empresa.
Planejamento Tributário Integrado a Sistemas de Gestão
Outro elemento muitas vezes subestimado diz respeito à interface entre os sistemas de gestão (ERPs/CRMs) e o planejamento tributário. Estratégias como crédito presumido de ICMS, regimes especiais de apuração e utilização de incentivos fiscais dependem de integrações sistêmicas para consolidação de dados e entrega de obrigações acessórias.
Por isso, uma falha técnica pode comprometer a estrutura fiscal da empresa ou causar autuações por inconsistências entre sistema interno e SPED Fiscal.
Vale lembrar que o STF decidiu, no RE 574.706, que o ICMS não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins. Muitas empresas utilizaram sistemas específicos para reforçar pleitos de restituição administrativa ou judicial. A interrupção desses sistemas pode impactar diretamente a capacidade de demonstrar corretamente os créditos acumulados.
Recomendações para Mitigação de Riscos Contábeis e Jurídicos
A título de conclusão, destacamos quatro medidas benéficas a serem adotadas por empresas que desejam se proteger desses riscos:
1. Auditoria nos Contratos de Sistemas Tecnológicos
Revisar contratos existentes à luz do risco de paralisação técnica, buscando renegociar cláusulas que envolvam responsabilidade, backup, atendimento e penalidades.
2. Segregação de Funções em ERP Contábil e Fiscal
Manter cópias locais e rotinas manuais mínimas para contingência e validação de escrituração fiscal em prazos legais.
3. Inclusão de Continuidade Operacional no Planejamento Estratégico
Tratar riscos tecnológicos com o mesmo rigor de riscos tributários, jurídicos ou societários.
4. Acompanhamento Jurídico Pró-ativo
Contar com advogados especializados para revisar cláusulas de contratos de tecnologia, seguros cibernéticos e exposição a perdas de receita.
Perguntas e Respostas Comuns
1. É possível responsabilizar civilmente sistemas terceirizados em caso de falha que cause prejuízo?
Sim, conforme o artigo 927 do Código Civil e o artigo 14 do CDC, a responsabilidade pode ser objetiva se demonstrada a relação de causalidade e o dano, especialmente em serviços essenciais.
2. A paralisação de sistemas pode ser considerada força maior para justificar atraso em obrigações fiscais?
Depende. A comprovação de força maior requer evidências, e mesmo assim, nem sempre isenta a empresa de multas. O ideal é acionar canais administrativos e, se necessário, ingressar judicialmente.
3. Como prevenir o impacto contábil de uma falha tecnológica?
Com backup, planos de contingência, simulações periódicas e registro de todas as tentativas de manter a continuidade operacional.
4. O que incluir em contratos de tecnologia para proteção jurídica e contábil?
SLAs claros, dever de backup, limites de responsabilidade, penalidades por interrupção e garantias mínimas de suporte técnico.
5. Sistemas afetados podem prejudicar pedidos de recuperação de créditos fiscais?
Sim. A ausência de registros consistentes e auditáveis pode inviabilizar ou atrasar pleitos de restituições, compensações e aproveitamento de créditos.
Empresários e advogados devem estar atentos e envolvidos na estruturação legal e contábil das soluções tecnológicas de seus negócios, sob pena de sua vulnerabilidade comprometer toda a saúde financeira e conformidade jurídica da organização.
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Este artigo teve a curadoria do time da IURE Digital e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir de seu conteúdo original em https://www.contabeis.com.br/artigos/71359/falha-no-google-cloud-causa-efeito-cascata-mundial/.